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Fala, louco! – parte 2

Segue a 2a parte do texto sobre Teta e a turma do Rivera (link para a 1 parte):

O contraponto da liberdade era a melancolia da cidade. A praia ficava com cara de cidade-fantasma no inverno. Não tinha nem gente suficiente para jogar futebol. Triste, como a cara de um dia cinzento. Nos feriadões de final de ano, 7 de setembro, 12 de outubro, 15 de novembro, até rolava um jogo de bola. Às vezes a gente encontrava figuras de verão errando por lá, como Dudu Winter, Renatinho Negão, Guto e outros. E aí saía jogo.

À noite, o centro de Capão era o retrato do abandono. Aqueles que se arriscavam encontravam quase tudo fechado: o Gut-gut (que fazia batidas memoráveis), o Bolicho (uma casa de boliche erguida toda de madeira. Um clássico da cidade. Com madeira que estavam lá há décadas, decadente que só. Cada vez que alguém jogava uma bola rezava não para derrubar os pinos, mas sim para não furar o chão!”). Até o fliperama ficava fechado. Não podíamos jogar a Copa do Mundo, em que a regra clara era: “Quem mandou golear o primeiro?. Se isso acontecesse,o segundo ficava mais forte e assim por diante. Era assim o mecanismo do jogo. Ou pelo menos a gente achava que era.

O que funcionava bem na cidade era o vento gelado, que dificilmente era amainado pelo calor das lindas meninas do sul do País. Poucas se arriscavam no inverno… Era quase uma insanidade passear no centro de Capão no inverno. Por isso a gente ficava pelas casas, tomando vinho de garrafão (Sangue de Boi, ou Sâng du boá, em bom francês), fazendo caipirinha de Velho Barreiro, jogando War ou conversa fora.

No verão era tudo diferente. Disputávamos aguerridos campeonatos de botão. Na primeira divisão só jogava a gurizada maior. A segunda divisão era para os irmãos menores. Dificilmente alguém saía de uma divisão para outra. A não ser quando o último colocado fosse o Cecé Carapa. Só pelo prazer de vê-lo jogar contra a molecada. A regra não durou mais de um campeonato, pois logo o Cecé subiu para a primeira divisão. Os jogos aconteciam dentro do salão de festas do Rivera, que tinha um grande pátio interno. Lá a galera corria – entrava e saía sem pedir autorização para ninguém, em um tempo em que segurança era uma palavra que pouco preocupava.

Tudo sempre acontecia no Rivera, o ponto de encontro da galera. Tinha cada espécie por lá… O Dudu Gordo era uma delas. Ele não fazia parte da panelinha, mas na volta do centro de Capão era figurinha carimbada nos papos filosóficos, que incluíam as seguintes pautas: a próxima bagunça que seria feita, certa menina da galera que andava saindo com alguém que não era da turma, a tática para vencer o time de futebol rival, a próxima festa da Saac ou da Rocky Point, em Atlântida. No caso do Dudu Gordo, o assunto era o fato de que ele era amigo dos seguranças de porta de puteiro em Porto Alegre…

No Rivera também tinha um pessoal de uma banda chamada Transaminase. O hit deles era uma música da Bandalhera chamado “Campo Minado”. O Dudu Gordo jurava de pé juntos que eles haviam composto. Tinham canções próprias também. Uma delas era: “Capão é um balneário/que acomoda muita gente/no inverno é frio para caralho/ e no verão é quente.” A Bandalheira era a versão praiana das bandas de rock de garagem que abundam em Porto Alegre. De certa maneira (acho que por falta de outras), era a referência para os projetos de roqueiros da turma que nunca vingaram. Marcelinho, meu primeiro grande amigo e ponto de contato com a turma do Rivera, e Cecé eram os que mais chegavam perto de conseguir tocar algo. O panamenho JJ era o mestre – e segue tocando até hoje, muito bem, por sinal. Mas a carreira musical nunca passou de uma brincadeira para todos.

Teve um que até se arriscou a cantar ópera. (continua)

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