Gosto muito da expressão “Vivemos no mundo do ‘e’ e não do ‘ou'”. Significa dizer que vivemos em uma era em que é necessário acomodar questões diferentes em busca das melhores decisões, atitudes ou posturas. Por exemplo: as empresas podem buscar lucro E cuidar de questões sociais e ambientais. As pessoas podem trabalhar E conciliar a vida em família. Soa cada vez mais estúpida a expressão: “Abri mão de tempo com minha família para ter uma carreira de sucesso.” Aprendi (o que não fazer) com pessoas que já me disseram isso. A frase vem carregada de uma certa amargura, sem deixar de transparecer um certo orgulho. Perfeitamente paradoxal pois carreira não é antagônica à vida pessoal. Geração Y. Já ouviram falar? É a tal da geração (turma da década de 80) para quem não faz o menor sentido a pergunta: “Você consegue equilibrar vida pessoal e trabalho?”. Simplesmente porque não existe essa divisão.
E digo tudo isso (em jornalismo se chamaria ‘nariz de cera’) para falar da entrevista da Marina Silva à Veja desse final de semana. Ficou evidente que ela aposta no mundo do ‘e’ e não do ‘ou’. Vale a pena destacar algumas passagens:
No período em que comandou o Ministério do Meio Ambiente, a senhora acumulou desavenças com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Como será enfrentá-la em sua eventual campanha à Presidência?
Não vou me colocar numa posição de vítima em relação à ministra Dilma. Quando eu era ministra e tínhamos divergências, era o presidente Lula quem arbitrava a solução. Não é por ter divergências com Dilma que vou transformá-la em vilã. Acredito que o Brasil pode fazer obras de infraestrutura com base no critério de sustentabilidade. Temos visões diferentes, mas não vou fazer o discurso fácil da demonização de quem quer que seja.
Um de seus maiores embates com a ministra Dilma foi causado pelas pressões da Casa Civil para licenciar as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira. A senhora é contra a construção de usinas?
No Brasil, quando a gente levanta algum “porém”, já dizem que somos contra. Nunca me opus a nenhuma hidrelétrica. O que aconteceu naquele caso foi que eu disse que, antes de construir uma usina enorme no meio do rio, era preciso resolver o problema do mercúrio, de sedimentos, dos bagres, das populações locais e da malária. E eu tinha razão. Como as pessoas traduziram a minha posição? Dizendo que eu era contra hidrelétricas. Isso é falso.
Se a senhora for eleita presidente, proibirá o cultivo de transgênicos?
Eis outra falácia: dizer que sou contra os transgênicos. Nunca fui. Sou a favor, isso sim, de um regime de coexistência, em que seria possível ter transgênicos e não transgênicos. Mas agora esse debate está prejudicado, porque a legislação aprovada é tão permissiva que não será mais possível o modelo de coexistência. Já há uma contaminação irreversível das lavouras de milho, algodão e soja.
A senhora poderia se apresentar como uma candidata negra na campanha presidencial?
Não. É legítimo que as pessoas decidam votar em alguém por se identificar com alguma de suas características, como o fato de ser mulher, negra e de origem humilde. Mas seria oportunismo explorar isso numa campanha. O Brasil tem uma vasta diversidade étnica e deve conviver com as suas diferentes realidades. Caetano Veloso (cantor baiano) já disse que “Narciso acha feio o que não é espelho”. Nós temos de aprender a nos relacionar com as diferenças, e não estimular a divisão. A história engraçada é que, durante as prévias do Partido Democrata americano, quando a Hillary Clinton disputava a vaga com Obama, um amigo meu brincou comigo dizendo que os Estados Unidos tinham de escolher entre uma mulher e um negro, e, se eu fosse candidata no Brasil, não teríamos esse problema, porque sou mulher e negra.
A senhora é mesmo partidária do criacionismo, a visão religiosa segundo a qual Deus criou o mundo tal como ele é hoje, em oposição ao evolucionismo?
Eu creio que Deus criou todas as coisas como elas são, mas isso não significa que descreia da ciência. Não é necessário contrapor a ciência à religião. Há médicos, pesquisadores e cientistas que, apesar de todo o conhecimento científico, creem em Deus.
O criacionismo deveria ser ensinado nas escolas?
Uma vez, fiz uma palestra em uma escola adventista e me perguntaram sobre essa questão. Respondi que, desde que ensinem também o evolucionismo, não vejo problema, porque os jovens têm a oportunidade de fazer suas escolhas. Ou seja, não me oponho. Mas jamais defendi a ideia de que o criacionismo seja matéria obrigatória nas escolas, nem pretendo defender isso. Sou professora e uma pessoa que tem fé. Como 90% dos brasileiros, acredito que Deus criou o mundo. Só isso.
Acho que o mais importante e relevante para a ascensão de Marina na política é a pluralidade de ideias. Não existe um só lado da moeda. Não existe verdade absoluta. (Eu mesmo, por exemplo, sou evolucionista, mas acho que houve alguma força superior – Deus? – que deu origem ao mundo.
Mundamente falando no mundo 2.0, acredito que ele não é preto no branco. É, sim, é cheio de nuances, de tons de cinza. É essa novidade que Marina vem acrescentar no debate político e na discussão sobre desenvolvimento no Brasil. Não é minha candidata (ainda e até porque não se lançou ainda), mas sou partidário de suas ideias.
E ideias são capazes de mudar o mundo.