Arquivo do mês: novembro 2010

Causa e efeito – nossa maneira de se relacionar e pensar a vida – como foi o bloco 3 do TEDx Amazônia

(Fotos de Bruno Fernandes)

Design thinking é uma expressão que começa a ganhar força fora dos círculos onde ela nasceu. É a ideia de desenhar melhor o mundo em que vivemos. Cidades com trânsito caótico, superpopulação, lixo exacerbado, filas em aeroportos, desperdícios de logística etc – a lista é imensa – são todos problemas de desenho mal feito ou pouco pensado, sem visão de longo prazo.

Como tornar melhor nossas experiências de vida? Como aproveitar melhor nossos recursos naturais? Como viver colaborativamente devolvendo à natureza de maneira inteligente aquilo que produzimos? Há muita gente se preocupando com isso e a segunda metade do primeiro dia do TEDxAmazônia trouxe muitos insumos para esta discussão. Paul Bennett, diretor da Ideo falou do óbvio: a natureza é a maior fonte de inspiração, afinal “a Amazônia é a maior escola de Design Thinking do mundo”. Bennett não falou, mas poderia ter falado de biomimética, a nova disciplina que busca se inspirar na natureza como fonte de design. Isto não é novo, claro que não. As asas de aviões, por exemplo, foram inspiradas no vôo das aves. Há também uma borboleta do gênero Morpho que serve de inspiração para uma linha de maquiagem da L’Oreal . O próprio velcro foi criado pelo engenheiro suíço George de Mestral inspirado na natureza. O Estadão deu boa matéria sobre isso nesta semana.

O ponto é que ainda temos muito para aprender. O ecoeconomista Hugo Penteado foi ao palco depois de Paul Bennett para dizer que os economistas estão errados. Fiquei com a impressão de que a economia é o maior problema de design thinking já criado, à medida que impacta a maneira como vivemos há centenas de anos. “A economia é um bicho que não tem boca e não tem intestinos. Nada entra e nada sai”, disse Penteado para exemplificar que nos modelos econômicos não são considerados os recursos naturais como finitos. “Não existe jogar fora. O sistema é fechado (fechado nas fronteiras do planeta – debati recentemente esta questão no ResultsOn > veja aqui). O resultado é que transformamos o planeta numa grande lixeira, com a gente dentro”. E a pelo crescimento desenfreado que vivenciamos só tem feito piorar essa relação.

Não conhecemos a Amazônia, não conhecemos o fundo do mar, não conhecemos os limites de nossa relação com o planeta. E também pouco sabemos do que somos feitos, ainda que tenhamos avançado nessa descoberta nos últimos anos. Paulo Arruda falou da quebra do código da bactéria Xyllela Fastidiosa, responsável pela doença do amarelinho nos laranjais brasileiros. Os avanços da pesquisa genética, iniciados por Craig Venter com a primeira quebra de código de DNA ao custo de 2 bilhões de dólares em 2000 (fonte: Ciência Hoje), têm sido muito rápidos, ajudando a humanidade a se conhecer melhor. A previsão é de que em pouco tempo seja possível seqüenciar o genoma de uma pessoa por meros mil dólares. Que avanço! Paulo Arruda, assim como Venter, são entusiastas do que fazem, transformando a ciência com base no que acreditam.

Os palestrantes do TED e TEDx são escolhidos pela motivação, pelo entusiasmo, pela vontade e pelo que conseguem fazer com base nisso. Alguns nomes incríveis surgem nesta busca, como o de Zach Liebermann, uma das palestras que mais me prendeu a atenção. Liebermann costuma dizer que usa a tecnologia como forma de quebrar barreiras entre o visível e o invisível. O trabalho do qual mais se orgulha é o Eye Writer, que criou para ajudar um amigo, o artista plástico conhecido como Tempt1, que foi vítima de esclerose lateral amiotrófica e perdeu todos os movimentos do corpo, com exceção dos olhos (ele respira com ajuda de aparelhos). Com o Eye Writer, Liebermann conseguiu fazer com que Tempt1 voltasse a desenhar por meio dos olhos. Mais do que criar um aparelho, Liebermann ajudou a dar um novo sentido para a vida de Tempt1. Todo o esforço colocado no projeto se deu por uma causa simples e poderosa: a amizade.

Causas são incríveis combustíveis de mudança. Quando o castanheiro Zé Cláudio Ribeiro da Silva subiu ao palco e disse que enquanto tivesse força e vontade para andar e falar, ele não deixaria quieta sua indignação contra a derrubada da floresta. Jurado de morte algumas vezes, disse que cada vez que vê uma árvore sendo carregada em um caminhão era como se um membro da família estivesse sendo carregada em um cortejo fúnebre. A emoção da voz de Zé Claudio e sua conexão com a natureza têm a incrível força de mostrar o quando estamos longe da floresta nos centro urbanos. Não só fisicamente, mas emocionalmente também. A floresta é algo muito remoto para a vida urbana. Mas isso é só aparente. De onde vêm as madeiras das mobílias. A maioria da da madeira consumida no Brasil é ilegal, diz o Greenpeace. Quer dizer que provavelmente veio da natureza, sem qualquer controle. “Se as pessoas começaram a perguntar sobre a origem da madeira e rejeitar o que for ilegal, os madeireiros vão parar de derribar (sic) as árvores”, disse numa variação de português ingênuo, simples , mas com mensagem madura.

Depois da simplicidade de Zé Cláudio, veio a sofisticação escatológica de Michael Braumgart, se é que este oximoro é possível. O alemão subiu ao palco com uma cadeira simulando que ia ao banheiro. Um dos mandamentos para uma boa TED Talk é “começar forte”. Mais forte do que isso, impossível. Braumgart queria com isso ilustrar que o cocô, a merda, a bosta, é uma engenhosidade da natureza para realimentar o sistema. Então, num acesso de assertividade, Braumgart levantou da cadeira, pegou o crachá do evento, cheirou e disse num inglês com o cortante sotaque alemão: “This stinks. This is shit”, e jogou no chão. Não satisfeito com o choque que queria causar, fez o mesmo com o catálogo do evento. Chamou de merda o que na verdade não tem o mesmo sentido da merda. Uma confusão mental escatológica. E um posicionamento cristalino como a água de uma privada pós-descarga para dizer que nosso modelo de produção está errado. Os produtos que fabricamos não voltam à biosfera ou ao solo. Em suma: não são merda. Bom seria que fossem. Na minha opinião, a apresentação de Braumgart foi lendária, folclórica. Memorável. Assim como o terceiro bloco do TEDxAmazônia.

(CONTINUA)

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O espírito do surfe

Uma pausa nos posts de ideias, inovação e razão para falar um pouco de sensibilidade.

Acabei de ver estes dois vídeos sobre a despedida do surfista Andy Irons (leia mais aqui), o único que conseguia fazer frente ao decacampeão (10 vezes!) Kelly Slater (Slater acabou de ganhar este título e dedicar ao ex-rival, dizendo que trocaria os títulos para tê-lo de volta).

Fiquei impressionado com estas lindas homenagens. A morte de Irons ainda é controversa (dengue, drogas, enfim). Indiferente a isso, essa reunião abaixo transborda amizade e talento, que atraiu a admiração destas centenas (milhares?) de pessoas em alto mar.

É o espírito do surfe em estado puro.

Vale a pena ver e se emocionar.

 

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Colaboração, vida e diversão – o segundo bloco do TEDx Amazônia


Preparação para espalhar ideias, foto por Daniel Deak

Uma semana depois do TEDxAmazônia ainda continuam ecoando as mensagens, ideias, sacadas e  conversas. É impossível ficar indiferente. Fica sempre no ar a vontade de continuar em contato com a energia que emerge de uma reunião de 550 pessoas com o objetivo comum de espalhar ideias que valem a pena. Simples assim…

Há quatro meses, quando começou a preparação do evento, havia uma parede em branco, cheia de nomes para preencher. Com o tempo e a cada uma das duas reuniões semanais que deveriam começar às 20h, mas não raro começavam às 21h, os nomes foram surgindo na parede, o hotel ia sendo definido, o orçamento ia ficando mais apertado com tantas passagens aéreas para comprar e com tanta gente para hospedar e alimentar. Mas se a ideia era deixar as pessoas mais próximas da floresta para conhecê-la melhor, esta seria a contribuição do TEDxAmazônia para isto.

Aos poucos, as reuniões começaram a acontecer em paralelo: curadoria dos palestrantes, curadoria da audiência e logística. A grande maioria das pessoas trabalhando ali, voluntariamente. Peter Drucker tem uma frase que explica a razão: “What motivates – and specially what motivates knowledge workers – is what motivate volunteers. Volunteers, we know, have to get more satisfaction from their work than paid employees, precisely because they do not get a paycheck. They need, above all, challenge. They need to know the organization’s mission and to believe in it. They need continuous training. They need to see results”.

Não poderia ser mais verdadeira. Suficiente até para fazer bem-vinda uma reunião de três ou quatro horas na 2ª feira à noite. Simplesmente porque não era uma reunião, mas sim uma oportunidade de dividir causas, motivações e ideias. Outro dia vi na parede da sede do TEDxSP, TEDxAmazônia, Busk e Webcitizen — praticamente uma usina de ideias –, a seguinte frase,  ouvid em um dos TEDx:  “Aqui nos reunimos para fazer juntos aquilo que não conseguimos fazer sozinhos.” Perfeito: o ideal do TEDx é coletivo e o que aquele time de cerca de 20 ou mais pessoas fez foi um marco. Para a floresta, para o TEDx, e para quem esteve por lá.

Hotel Jungle Palace, sede do incrível TEDxAmazônia

O primeiro bloco encerrou com a emoção em alta. A ideia da curadoria era causar isso. Depois que todos os nomes foram para a parede em cada um dos blocos, olhamos um a um para tentar prever que tipos de emoção causariam. Digo tentar prever porque uma das mágicas da curadoria do TED tem a ver com o momento. Palestrantes que seriam as estrelas podem não estar tão inspirados no momento e decepcionar um pouco. Por outro lado, aqueles de quem se espera uma palestra boa, mas não espetacular, de alguma maneira crescem no espírito TED e entregam palestras matadoras. Tentar adivinhar as conexões é como construir uma revista em cada bloco. Como esta pauta (palestrante) vai se conectar com o próximo e como vai complementar ou contrapor o tipo de emoção que está sendo valorizada ali. Construir este quebra-cabeças é como tecer um texto (lembrando que a palavra texto tem sua origem etimológica em tecer. Tecer fios, tecer palavras, descobrir o fio da meada etc).

O segundo bloco, que chamamos de colaborar melhor, teceu vida, colaboração e diversão. Começou com Aaron Koblin, artista que transforma informações em arte. Koblin é mais um adepto da datavisualização, disciplina que vem emergindo nos últimos anos com o claro propósito de nos ajudar a enxergar o mundo melhor. Em um de seus trabalhos, representou vôos nos Estados Unidos como se fossem feixes de luz, transformando a malha aérea em gigantes fogos de artifício. Koblin também mostrou também o tributo colaborativo para Johnny Cash, feito com pessoas do mundo inteiro via web. (No TED Global deste ano, David McCandless mostrou também a arte de seus infográficos. É uma boa referência para quem quiser saber mais sobre este assunto. )

De certa maneira, a grande maioria dos palestrantes ajuda a plateia do TED ou TEDx enxergar melhor. Joan Roughgarden, que falou em seguida a Koblin, é uma especialista em diversidade. Apesar de ter sido um pouco técnica demais, sua tese ficou mais clara depois de conversar com algumas pessoas. E aqui valem umas palavras sobre isso.

Conversar sobre as palestrantes freqüentemente ajuda a enxergá-las sobre um novo ângulo. Não à toa, os intervalos do TED são um pouco maiores do que o normal, para dar tempo para alimentar as ideias. Faz toda a diferença. No caso de Roughgarden, bióloga que estuda a diversidade, captei da palestra dela a tese de que as relações íntimas existem para aumentar os laços e a colaboração entre as espécies. Nas conversas pós-evento, veio a sacada. Com um gráfico complexo, Roughgarden deu a entender que estamos todos juntos por uma grande “sacanagem”. Ela, que já foi ele antes de se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo, tem documentado cerca de 300 casos de homossexualismo entre animais. Todos criando laços de colaboração. Ao final, Roughgarden disse que a “família é uma empresa cujo produto é a prole”.

Já ouvi que o casamento é um negócio, um contrato. Mas confesso que ficou difícil pensar nestes termos frente à sensibilidade que a parteira Suely Carvalho trouxe para a entrega da vida, o parto. Com fotos cruas de partos naturais, Suely foi firme para dizer que é preciso dignificar a vida como um milagre e recebê-la como tal. “A cesariana salva vidas, mas deve ser usada como tal, e não como uma escolha para receber a vida.” Depois dela, veio a cineasta Diana Whitten, que durante três anos acompanhou o trabalho da Womenonwaves.org, conhecida como o “barco do aborto”, filmando o documentário Vessel. A entidade leva a possibilidade do aborto para lugares onde isso é proibido, apoiadas na crença de que mulheres que querem o aborto acabam fazendo isso de qualquer maneira, muitas vezes colocando em risco à própria vida.

André Abujamra, divertindo a plateia, foto de Daniel Deak

Depois de Whitten, era mesmo necessária uma pausa para sentir. O músico Andre Abujamra, um fã do TEDx, que aceitou com o maior prazer o convite de palestrar, subiu ao palco e ajudou a descontrair. Ele tocou “na unha” depois de tentar três vezes que o retorno funcionasse. Abujamra cantou, simulou voar e divertiu.

“Duvião o rio é veia, du rio vião é passarim
Olha só aquele prédio, duvião é drops
Olha só o elefante, no Zimbabwe
Duvião é ratim, e as pessoas
Duvião é formiguim”

A diversão continuou no palco com a excelente palestra de Rafael Kenski, que acabou de voltar de Londres onde fez pós-graduação sobre análise, design e gestão de sistemas. A tese de Rafael é que o melhor jeito de trabalhar é se divertindo e que é possível mudar o mundo, fazendo isso. “O contrário de diversão não é trabalho, é depressão”, disse. Na seqüência, o carismático Edgard Gouveia Jr contou sobre o Oásis, projetos colaborativos baseados em jogos entre equipes para a cuidar de localidades, como ajudar na recuperação de desastres, como Santa Catarina na enchente de 2008. Com o sucesso, o Oásis se espalhou por outros 90 projetos no Brasil e no mundo.

Colaboração, vida e diversão. O segundo bloco do TEDx Amazônia trouxe três assuntos que não deixam ninguém indiferente.

(CONTINUA)

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Viver é aprender a dançar na chuva – o primeiro bloco do TEDxAmazônia

No ano passado, ao final do TEDxSP, escrevi um post dizendo que tinha sido o evento mais incrível que havia participado. Foi uma grande iniciação ao mundo do TED, e um ano depois consegui participar de outros eventos tão incríveis quanto: o TED Global (link) e agora o fantástico TEDxAmazônia. Mais do que participar, tive a grande honra de ajudar a construir este verdadeiro marco dentro do fenômeno dos eventos TEDx, mais de mil encontros que aconteceram em menos de dois anos desde que as licenças independentes foram lançados pelo TED.

 

Os hosts do TEDxAmazônia, Helder Araújo e Denis Burgierman

Sem falsa modéstia ou perigo de errar, o TEDxAmazônia certamente marcou época. Ainda que falando de dentro do acontecimento e sem o distanciamento que só o tempo consegue dar, cerca de 500 pessoas presenciaram um momento especial no coração da Floresta Amazônica. Pela primeira vez, um TEDx teve dois dias de duração. Pela primeira vez foi organizado dentro de um dos maiores patrimônios naturais do Planeta Terra, a 4 000 quilômetros de distância da base da organização do evento, em São Paulo.

50 pensadores desfilaram ideias em larga escala, abasteceram de esperança e ideais uma comunidade que se torna maior a cada dia que passa. A quantidade de tweets e comentários pela internet, apaixonados, emocionados e cheios de motivação, ajudam a dar sentido a vozes que se unem mais e mais pelo objetivo romântico e sonhador de mudar o mundo. Em uma das dezenas de conversas animadas, meu amigo jornalista Oswaldo Pepe falou com muita segurança: “Eu participei do movimento hippie. Vi todas aquelas pessoas alimentarem o ideal sonhador de construir um mundo ideal. Mas aquilo acabou. O que vem agora e o que está acontecendo aqui é diferente. As pessoas que querem este ideal agora têm mais ferramentas e estão mais preparadas para fazer isso acontecer”, disse Pepe.

Não sei o quanto estão e o que será feito disto tudo, mas a vibração e vontade de fazer estão aí.

O palestrante Edgar Gouveia Jr despertou esta semente ao contar do projeto Oásis Santa Catarina, criado para ajudar a diminuir os impactos das enchentes que destruíram várias cidades catarinenses. O Oásis conseguiu criar, na base da diversão, em formato de jogo, uma mobilização que levou centenas de pessoas a direcionarem esforços para ajudar a reconstruir as cidades. Quando a plateia conheceu as histórias de assassinatos de povos indígenas para explorar madeira, apresentada pelo jornalista gaúcho Felipe Milanez, surgiu a vontade de agir e transformar a história. Voluntariamente, dezenas de participantes se reuniram para criar o desafio de salvar os últimos três índios Kawahiva que conseguiram escapar da matança. E foi lançado o Salve Kawahiva. O objetivo é influenciar três esferas de poder que podem ajudar a criar as condições para cuidar da vida destes índios. Se algo vai sair disso, é muito cedo ainda para dizer. Mas o fato é que a mobilização foi criada e repercutiu rapidamente na rede.

A inspiração e a motivação foram sentimentos constantes no evento. Ambas subprodutos do verdadeiro encontro que foi criado ali: uma volta à natureza. Brinquei em um tweet, com fundo de verdade, que havia uma pegada Avatar nas falas dos palestrantes. Enxergar a natureza como referência, como solução, como inspiração para o que pode e deve ser feito para criar um mundo mais seguro, saudável e agradável de se viver.

 

A ciranda de 500 pessoas puxada por Antonio Nobrega

O TEDxAmazônia começou, espontaneamente, com uma grande ciranda puxada pelo mestre Antonio Nóbrega depois de se apresentar com uma coreografia criada para sintetizar sua obra e manifestações genuínas da dança brasileira. 450 pessoas de mãos dadas em uma coreografia pulsante e alegre ajudaram a criar o senso de comunidade. E aí foi a vez do silêncio falar. O segundo palestrante, Lama Padma Samten, pediu para fazermos silêncio antes de sua fala. E durante dois minutos mirou firme o vazio, para em seguida revelar que estava, na verdade, olhando para dentro. Samten lembrou que para entender o que está acontecendo fora, precisamos enxergar dentro, antecipando que isso voltaria a surgir, forte ou fracamente, em praticamente todas as palestras.

Como na do próximo palestrante, o gentil e agradável Antonio Nobre, que nos fez lembrar que a Amazônia é uma imensa usina ambiental, “fabricando” ar limpo, disponibilizando água potável, e resfriando a temperatura do planeta. Nobre mostrou em gráficos que há um quadrilátero ao redor da Amazônia em que não acontecem furacões em função do resfriamento, um serviço da floresta serve.

“Podemos rejardinar de volta a atmosfera”, disse citando uma nova linha de pesquisa para valorizar o trabalho de recuperação do clima. E depois, lembrou do David, cacique dos Ianômanis: “Será que o homem branco não vê que se acabar a floresta, acabam as chuvas e assim acaba a comida e a bebida”, pergunta. “Nosso trabalho está conseguindo provar essa sabedoria ancestral”, tão óbvia para os índios. Índios que foram representados por Randy Borman, um branco que conviveu com o povo Cofan na sua infância e mais tarde voltou para fundar uma nova comunidade. Os índios dizem que o corpo de Borman é gringo, mas seu coração é Cofan.

A conexão com as raízes e com a natureza se deu de diversas formas no evento, inclusive pelo surfe. O surfista paranaense Sergio Laus mostrou o enorme potencial de surfe da pororoca, onde em uma temporada de quatro meses é possível deslizar o que um surfista normal demoraria 6 anos e 6 meses para fazer no mar. Laus viaja 18 horas para se conectar com seu sonho e ajuda a levar oportunidades de renda para os ribeirinhos, numa relação estabelecida depois de 65 expedições à foz do Rio Amazonas, onde se encontram as maiores ondas de rio do mundo, no havaí amazônico.

O mexicano Enrique Leff, um dos precursores da necessidade de conectar a economia ao meio ambiente, lembrou que escolhemos o caminho da separação, da bifurcação. “Se a economia se alimenta da natureza, por quê a dissociação?” Temos que aprender a viver em nossos limites e romper a obsessão de viver em um mundo unitário absoluto. Precisamos valorizar a diversidade.

O argumento foi reforçado por Chris Carlsson, criador do movimento Critical Mass Ino Brasil chamado de bicicletada). Segundo ele, vivemos em mundos que separam o trabalho do lazer. Trabalhamos para ganhar dinheiro e somente no nosso tempo livre fazemos aquilo que gostamos. Para quê, com qual objetivo?: 5 ligações, 25 SMS, 10 emails p/ marcar um encontro com um amigo daqui a 3 semanas. Onde chegaremos com isso?” Carlsson disse que nosso trabalho diário deveria transformar a vida em algo ainda mais maravilhoso do que ela já é. E fazer juntos. Evoluir do Do It Yourself (DIY) para o Do It Together (DIT). Nas oficinas de bicicletas do Critical Mass, ninguém conserta sua bicicleta. As pessoas te ensinam a consertar, criando relações de amizade e reconectando pessoas.

E a última palestra do bloco foi pura emoção. A bióloga Deise Nishimura contou como seu sonho de viver na Amazônia foi abortado por um ataque de um jacaré-açu – o maior predador da América do Sul. Deise conta que estava limpando peixe para o almoço, quando o réptil pulou na varanda de sua casa flutuante, a abocanhou na perna e levou para o fundo. No fundo do rio, ela disse que pensou em qual seria a parte mais sensível do jacaré, procurou os olhos e apertou com força, chegando a quebrar a unha. O bicho a soltou, mas já havia roubado sua perna. Ao final, Deise, já habituada a sua prótese e à nova vida anunciou em primeira mão que estava voltando a viver na Amazônia. E disse: “Viver não é aprender a esperar as tempestades passarem, mas aprender a dançar na chuva”. Ao final do primeiro bloco, caiu uma chuva torrencial, para a poética dança de alguns participantes do evento.

(Continua.)

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TEDxAmazônia e a seca do século

Reunião de pensadores no meio da floresta amazônica

O dia começou com uma reunião de apresentação de 30 palestrantes. Uma dinâmica multilíngue no meio da floresta, lembrando que a Amazônia é um ativo mundial, muito mais do que brasileiro. Porém, é algo que está nas nossas mãos, sob nossa administração aqui no Brasil.

Reunião preparatória com os palestrantes do TEDxAmazônia

Neste momento, as águas do Rio Negro estão subindo, para encobrir a maior seca dos últimos 100 anos. Exatamente agora, coincidentemente – ou não – com a realização do TEDxAmazônia.

A maior seca dos últimos 100 anos no Rio Negro

E ouso dizer que esta é uma grande contribuição ao mundo, colocar pessoas de vários lugares do mundo com o objetivo comum. Feita por pessoas de Helsinque, Londres, São Francisco, Los Angeles, São Paulo, Manaus, Belém, Santarém, Curitiba etc.

Os maiores problemas que temos hoje são globais. Não respeitam fronteiras desenhadas a mão pelos homens. Assim como as ideias que podem resolver estes problemas são maiores do que as línguas que são faladas ou do que a origem do passaporte de alguém. O TEDxAmazônia está colocando junto pessoas que são capazes de criar conexões que podem potencializar histórias de vidas e o tamanho das ideias.

Reconhecimento do gramado no palco do TEDx Amazônia

Lara Stein, diretora do TED, fala sobre como fazer uma grande palestra

É um calor sufocante, mas a felicidade no rosto das pessoas mostra que isso não tem a menor importância. 180 pessoas no hotel flutuante, 60 em dois barcos ao lado do hotel e mais 300 pessoas em Manaus, a 1h de distância em uma viagem agradabilíssima pelo Rio Negro. A viagem está maior, é verdade, mas isto também não é um problema.

A caminho do Jungle Palace Hotel

Há alguns meses, um maluco (@haraujo) teve uma ideia maluca. E agora 550 malucos foram atrás. Vida longa ao TEDx Amazônia, que mal começou. Quem está por aqui, vai presenciar algo incrível e memorável.

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R.I.P Andy Irons

De vez em quando, este blog ganha foco em alguma coisa. O tema da vez é o surfe, influenciado pela viagem à Costa Rica, há menos de um mês. Não planejava escrever de novo sobre surfe, mas aqui fica o registro da morte do surfista profissional Andy Irons.

Kelly Slater está para o surfe como Pelé está (estava) para o futebol. E se o Pelé não teve adversários à altura, como Senna teve na F1 (Alain Prost) e como Schumacher não teve também na F1, Slater tinha o Andy Irons. Morreu de dengue hemorrágica e chocou o mundo do surfe.

Ver um surfista profissional morrendo em ação, em um mar perigoso ou mesmo gigante, faz parte do dia-a-dia de um esporte radical. Mas morrer aos 32 anos, em plena forma, deixando uma mulher grávida de 8 meses, entre uma competição e outra, por conta de uma doença, nos faz lembrar que um mosquito é capaz de tirar a vida humana – frágil…

Abaixo, fica a homenagem a Andy Irons, num video que ele próprio gravou dizendo porque surfava. Vejam o talento para surfar a onda  do minuto 2 do filme.

“Surf is the reason that keeps me going…”

 

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