Acabei de ler recentemente o livro Fôlego, de Tim Winton, um escritor australiano. Trata-se de um romance de formação, que acompanha o crescimento e adolescência do personagem principal, Pikelet. Ele tem um amigo de sua idade, Loonie, um sujeito experiente que serve de guru para ambos, Sando, e sua mulher Eva. O pano de fundo é o descobrimento do surfe e dos limites individuais. Winton é de uma linhagem de autores que torna universal aquilo que é peculiar ao seu habitat. Já foi comparado a Mark Twain e William Faulkner.
Li cada palavra com gosto e muita inveja branca. Me deu vontade de ter escrito aquele livro e me motivou a colocar a escrita em dia. Rabisquei as páginas, os parágrafos, as palavras colocadas no lugar certo. Gostaria de ter lido em inglês, mas como foi presente (o melhor que ganhei de Natal, da minha sempre certeira esposa), foi em português mesmo. Longe de ser um problema, pois a tradução é excelente.
Em cada descrição sobre o ‘surfar’ uma onda, sobre os diálogos, as dúvidas, as prioridades, eu me identificava nos tempos de Capão da Canoa, quando os três meses que passávamos no litoral giravam em torno da hora em que a gente cairia na água para surfar.
No livro, Sando é o guia de Pikelet e Loonie na descoberta do surfe. Isso eu não tive. Descobri sozinho com minha turma a maior parte dos prazeres do surfe. Lugares para ficar, praias novas para explorar, amigos cúmplices de um estilo de vida.
Lembro de uma vez que estava na casa de um amigo, o Duda, e chegou o Dênis, que tinha acabado de voltar de Santa Catarina. Para nós, com 13 e 14 anos, Santa Catarina era a fronteira a ser explorada. Praias em que era possível entrar no mar pelo canal, rios que desaguavam no mar, ondas perfeitas. Eu tentava imaginar como seria aquilo. Qual seria a diferença daquelas praias em relação às que eu conhecia? E tive de esperar um bom tempo até chegar lá, até ter a primeira oportunidade de ir.
Lembro da primeira surftrip com amigos, aos 17 anos, a bord de um Escort azul, do Simpson. Gugu pilotava e Pirica era o quarto integrante da trip. Chegamos em Florianópolis e fomos direto para o Camping da Lagoa. Ingenuamente, colocamos a barraca em cima da areia, preocupados com a ‘maciez’ da cama. Foram preciso apenas 12 horas para que já estivesse cheia de areia. A primeira praia que fomos conferir foi a Brava, ao norte de Floripa. Antes de chegar na areia é preciso vencer um morro alto que serve de mirante para o visual maravilhoso da Brava — ou era assim até a especulação imobiliária encher de prédios por lá. Lá de cima, vimos os riscos brancos simétricos preenchendo o mar azul. De longe, não dava para ver o tamanho das ondas, mas lembro de darmos pulos de felicidade com o visual e com a qualidade das ondas que nos esperavam. Em poucos minutos já estávamos dentro da água para o banho mais clássico que já dei na Brava até hoje. Nunca encontrei um mar igual ou parecido àquele por lá, apesar das inúmeras vezes que voltei com tal esperança.
Aquela foi a primeira de muitas e muitas surftrips. Desde então, minha cabeça virou. E até hoje eu sigo planejando a próxima trip. Quando, onde e com quem. Algumas dúvidas e uma certeza: a de seguir sempre em busca da onda perfeita.
Como o personagem de Winton, Pikelet, que cresceu, virou paramédico, mas nunca abandonou o surfe. O poeta gaúcho Mario Quintana, fumante que era, cunhou uma frase tolerável na época (hoje politicamente incorreta): “Desconfie dos que não fumam: esses não têm vida interior, não têm sentimentos. O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar.” Eu arrisco outra: “Desconfie daqueles que já gostaram de surfar, mas desistiram. Em alguma esquina, eles perderam a vida interior.” Queria poder tentar entender…