A era da transparência – o novo Renascimento




Transparência não é só no mar do Oceano Índico (Bali, Indonesia, foto by Rodrigo)

O tema da transparência está em alta hoje, mas ele não é nenhuma novidade como organização da sociedade. Na semana passada, falei sobre isso no TEDx Laçador, em Porto Alegre. Abaixo, as ideias que apresentei, com links e referências para quem quiser se aprofundar.

O exemplo mais antigo registrado de transparência como instrumento de organização vem de Atenas, que criou o modelo de organização democrática que vivemos e valorizamos (em boa parte do mundo) hoje. A civilização grega tinha em Atenas a representação direta de todos os cidadãos livres (não contavam escravos e mulheres). Com esta configuração, havia um nível de transparência com os fundos públicos que dificilmente encontramos hoje. Todos as principais figuras públicas tinham as contas abertas e se sabia exatamente quanto ganhavam para que não se beneficiassem de suas posições.

Atenas: modelo de democracia

Com a queda da civilização grega e conseqüente avanço da Igreja e feudalismo, esta experiência se perdeu. Dando um salto na história, o reconhecimento do papel do indíviduo voltou a ganhar força com o renascimento e com a visão de pensadores como Thomas Hobbes. Hobbes lembrou que o homem é o lobo do homem e que para viver bem em sociedade, as pessoas precisavam tranferir parte de suas liberdades individuais para um ente soberano, o Estado, que controla e regula os limites individuais. A busca da ordem para evitar a guerra. O amigo de Hobbes, nas tiras de Bill Waterson, é o menino Calvin. O reformador religioso João Calvino falava da depravação do homem, que está naturalmente inclinado a fazer o mal para o próximo e que só encontraria salvação em Deus. Em ambos casos, uma abdicação das liberdades individuais em prol do bem comum, provido por alguém. (Em Calvin e Hobbes, Watterson brinca com um menino Calvin em estado natural – rebelde, ousado, contestador – e seu amigo imaginário Hobbes (o tigre Haroldo, em má tradução) o traz à realidade da vida em sociedade todo o tempo).

Calvin, Hobbes e o Contrato Social

Da representatividade direta na mundo grego para a representação política no renascimento e nos Estados-Nação, estamos presenciando agora um momento de síntese. O poder individual no coletivo cibernético. A era da transparência fortalecida pelas vontades e possibilidades individuais.

O mundo que vivemos hoje apresenta uma descomunal miríade de possibilidades, como na imagem abaixo, ainda pré Twitter, Facebook, Tumblr, blogs etc.

E de mensagens também. Há estudos que dizem que cada pessoas recebe em média 3 000 mensagens publicitárias por dia. Outros falam em 800. E alguns falam em 1500, que é a média. Podemos ficar com esta média.

Com tanta informação e exposição, as pessoas ainda estão aprendendo a usar ferramentas.

Alguns ainda não perceberam que qualquer coisa que está sendo dita, pode estar sendo gravada. Frequentemente, temos casos de gafes de homens públicos e alguns corruptos pegos em pleno ato, como a vergonhosa história do dinheiro na cueca e outras recentes.

Em função da novidade do tema, há a discussão dos limites entre transparência e privacidade. Já está surgindo inclusive a expressão Tirania da Transparência. Pode ser que isso um dia venha até a acontecer, mas acho que o que o movimento que estamos vivenciando agora é o da Transparência da Tirania.

É o que fica explícito quando, por exemplo, o governo egípcio derrubou a internet para tentar esconder os protestos que estavam ganhando o país. Foi tarde demais e pegou mal. Muito mal. O estrago já estava feito. De Mahalla, uma cidade no interior do Egito, os protestos começaram a se espalhar pelo país via YouTube, Twitter etc. Em pouco tempo, tornaram-se muito forte e irreversíveis. Deu no que deu, o governo caiu e o Egito se tornou o segundo caso de uma revolução Árabe bem-sucedida no início do século 21.

 

O governo egípcio achou que ia acabar com a revolução derrubando a internet

O primeiro caso recente de revolução Árabe que terminou em queda no governo foi na Tunísia. Alguns atribuem à insurgência na tunísia às revelações dos conteúdos explosivos dos telegramas diplomáticos americanos. Indignados com o que descobriram via Wikileaks, os árabes se organizaram e derrubaram outro governo. Neste momento, Líbia e Bahrein estão conflagrados e outros países emitiram sinais de alerta, preocupados com a dimensão dos protestos.

Há quem diga que a internet teve papel não muito relevante em todos estes protestos. Ouso dizer que sim. Teve um papel de catalisar estes eventos e de fazê-los se disseminarem rapidamente pela sociedade.

Assim como o Wikileaks teve o papel de catalisar e colocar em outro nível a discussão sobre a transparência. Até onde queremos ser transparentes? Sugiro fazermos uma reflexão entre o que é de interesse público ou de interesse de alguns.

Esta informação é útil para melhorar a sociedade? Se ela não for publicada, dá para explicar porque ela não foi publicada? Enfim, ter transparência sobre a falta de transparência como falou com genialidade Thimothy Garton Ash em artigo recente.

Afinal, ninguém quer falsa transparência (como nas imagens abaixo, em uma moda de gosto discutível)… Principalmente, porque transparência é uma oportunidade de fazer melhor, de compartilhar problemas, dilemas, jeito de fazer.

 

Falsa transparência...

Junte a isso o conceito de Data Visualization e temos um poder enorme de ver possibilidades e impactos. Vejam este gráfico do jornalista David McCandless no site Information is Beautiful. Aí estão valores como os gastos americanos com defesa, o tamanho do mercado farmacêutico global, o valor gasto na guerra contras as drogas, o valor de mercado da Apple, Google etc.

E tudo isso é igual a: o valor das perdas da crise financeira internacional.

Outro exemplo sobre nosso impacto no mundo e o trajeto percorrido pelo lixo, do MIT SenseableCity Lab, que mede a interação das pessoas com o ambiente via aparelhos digitais, como câmeras, chips, smartphones. Veja como o lixo anda pelos Estados Unidos, com impactos ambientais.

 

O caminho do lixo desde Oregon, EUA

A visualização e a transparência nos ajudam a enxergar outras questões. Por exemplo, uma das grandes causas de engarrafamentos talvez não seja a grande quantidade de carros ou a falta de estradas, mas os grandes deslocamentos que as pessoas fazem para trabalhar hoje. Este gráfico abaixo da revista Good mostra a dispersão das moradias em torno de regiões metropolitanas. Grandes deslocamentos talvez sejam a causa principal. Sabendo disso, é possível atacar as causas certas dos problemas.

A transparência pode ser uma grande ferramenta para as cidades. A Rede Nossa São Paulo vem tentando criar um espaço de discussão e acompanhamento do progresso da cidade em relação a indicadores sociais, ambientais e econômicos, com a apresentação de propostas.

Como a cidade está indo? Sem saber disso, não é possível melhorar.

Por isso, algumas cidades como Amsterdam, Dublin, Cidade do Cabo, Atlanta, estão criando relatórios de sustentabiidade, o melhor exemplo do que pode ser feito com a transparência na gestão de uma cidade.

Dados disponíveis e mensuráveis para todos. A democracia da informação.

As pessoas estão tomando a frente destes movimentos, criando, independente de governos, espaços para discussão, transparentes e abertos. São embrionários, mas mostram uma tendência de organização.

Ninguém precisa esperar pelos governos, cada um pode fazer a sua parte e até ajudar os governos a caminharem mais rapidamente na busca pela transparência.

Temos o exemplo do Cidade Democrática, baseado em Sao Paulo, mas disponível para qualquer cidade no país e o PortoAlegre.cc., que apresentam oportunidades de melhorias para as cidades.

Da Índia, vem um exemplo ainda mais radical, o I Paid a Bribe. Cada pessoa pode entrar no site e dizer anonimamente quanto e para quem pagou determinada propina, expondo, dando transparência ao tamanho da corrupção e onde ela acontece.

O mapa da corrupção na Índia, feito pelas vítimas

Mais exemplos que partiram de iniciativas dos consumidores. No site comacomosolhos, o autor compra comidas anunciadas e compara a foto da propaganda com a foto do produto comprado. Uma diferença e tanto (exemplo abaixo)!

Imagem e semelhança

E no ano passado um músico americano mal atendido por uma companhia aérea, a United Airlines, que não quis pagar o violão que havia quebrado durante o transporte. O cantor criou o hit United Breaks Guitars, uma música que teve 10 milhões de acessos até agora! É claro que a companhia foi atrás dele para tentar resolver a questão.

É a era da transparência e democratização da informacão, com um potencial enorme de transformar para melhor a sociedade.

Vamos lá: ninguém está falando aqui do mundo de Pollyanna, ingenuamente otimista, que tudo será melhor com transparência absoluta. Os interesses e a necessidade de sobrevivência são inerentes à natureza humana. Isso sempre existirá.

Mas o que existe agora é uma intolerância maior à mentira, a agendas ocultas e de mão única. Empresas estão falindo, governos estão caindo e pessoas estão cada vez mais poderosas, como na brilhante charge abaixo, de Emad Hajjaj

O poder na mão das pessoas, charge de Emad Hajjaj

Há segredos e há transparência.

A BP (British Petroleum) há pouco tempo pagou caro por querer esconder a informação do vazamento no Golfo do México, que contaminou uma área 1500 quilômetros quadrados. Mais do que o problema, a postura da empresa ao tratar do vazamento, escondendo informação, virou contra. A BP gastou 3 bilhões de dólares para tratar o vazamento e perdeu cerca de metade de seu valor de mercado. Simplesmente porque em uma economia de mercado, livre, transparente, o preço da mentira pode custar caro…

A democracia como conhecemos hoje, um modelo baseado na transparência, demorou milhares de anos para chegar no formato atual, ainda cheio de imperfeições. E justamente por não vivermos num mundo de Pollyanna, precisamos de controles, de regulação. O homem é o lobo do homem, lembrou bem Thomas Hobbes. O nosso contrato social precisa de transparência.

Ainda mais neste momento em que a disseminação de informações avança rapidamente. O mundo da transparência chegou, queira-se ou não.

A era da transparência veio para ficar

O governo britânico, por exemplo, criou a seção transparência no seu website, uma das cinco nas quais o site está dividido. Lá estão valores de contratos, quem faz o quê no governo (e quanto ganha!) e há até a agenda diária dos principais governantes. No site, o governo britânico diz que sua missão é ser o governo mais aberto e transparente do mundo.

Por curiosidade, procurei a palavra Transparência em nossa Constituição. Sabe quantas vezes ela aparece por lá? ZERO! Sim, temos algumas iniciativas, como o Portal da Transparência. A ideia é boa é bem-vinda, mas o acesso ao site é ruim, truncado. Falta datavisualização para ajudar na disseminação da transparência.

Ainda temos muito o que avançar. Mais transparência siginifica uma sociedade mais justa e inclusiva. Ninguém quer o mundo de aparências do Show de Truman. Queremos transparência!

O mundo das aparências do Show de Truman

Indíviduo poderoso, mas parte de um todo. É uma evolução das visões da democracia ateniense e do fortalecimento do Estado. Podemos chamar de Sociedade do Conhecimento, era da Transparência, de Interdependência. Ou talvez a gente possa chamar de um novo Renascimento (pegando emprestada a frase do meu amigo Oswaldo Pepe), uma época única na história da humanidade. Uma era na qual temos o privilégio de viver e agir. A mudança – mais do que nunca – está em nossas mãos.

8 Comentários

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8 Respostas para “A era da transparência – o novo Renascimento

  1. Fábio Carvalhaes

    Sempre muito estimulante!

  2. Pingback: Ainda sobre transparência « Humberto Laudares

  3. Fábio Rodrigues

    Oi Rodrigo!
    Li esse artigo e o outro sobre o “Transparência e diálogo: tendências do TED2011” que voce escreveu e fiquei com duvida em relação a sua opinião de quais serão as futuras tendências nessa era de transparência? Vc acha que a tendencia é que as marcas/empresas fiquem cada vez mais abertas e isso só traga beneficios ao consumidor ou de alguma forma esta abertura pode prejudicar essa relação?

    Abraços

  4. Olá, Fábio, eu acho que a tendência é as marcas se abrirem cada vez mais para um diálogo sincero. As redes sociais estão aí para provar. Marcas que já se comunicam mais com os consumidores têm criado este ambiente de troca. Não vejo como mais conversa poderia significar prejuízo para as relações. Quem não se comunica, se trumbica!, já dizia o Chacrinha, que não era um grande exemplo de diálogo, mas entendia a necessidade de se comunicar! Acho que transparência veio para ficar. Bom para quem souber usar.
    abração
    Rodrigo

  5. Fábio Rodrigues

    É verdade Rodrigo, chega a ser assustador as ferramentas que poderão surgir. Hoje mesmo fui pesquisar mais e descobri uma ferramenta incrível do google que permite os usuários ler e escrever comentários na página independente da vontade do proprietário do site, é Google Sidewiki o nome. Já conhecia? Achei demais a idéia.

    Abraços

    • Fábio, um exemplo incrível sobre isso é o blog do planalto, que apesar do nome foi criado pelo governo sem comentários. Alguém no dia seguinte criou um outro blog que era um clone e tinha espaço para comentários…. OU seja, não adianta querer controlar…abraço

  6. Pingback: Os mais acessados de 2011 | A Ficha Caiu

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